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Foto do escritorDavi Pieri

Suçuarana (2024) - 57º Festival de Brasília

Filme que abre a mostra competitiva nacional pode já ser um dos melhores deste ano no festival



Suçuarana inicia-se em closes de teleobjetiva em sua personagem principal, Dora. A câmera acompanha seus movimentos de forma desengonçada e truncada. Confesso que essa tendência de trazer um proto-realismo a partir da teleobjetiva cambaleante me incomoda desde Tropa de Elite ou mesmo antes. É um lugar comum, dentre os muitos para os quais o novo filme de Clarissa Campolina e Sérgio Borges toma a decisão de ir. Contudo, há ainda um pensamento por trás dessas técnicas saturadas, que torna acompanhar a jornada de Dora progressivamente mais interessante. Notemos que, logo em seguida, os planos fechados transformam-se em “grandes planos fechados” de áreas de mineração, que transformam os detalhes de Dora revelados em seus closes em pontos insignificantes num todo imensuravelmente maior.


Primeiro, é preciso dizer que me interessa muito a trajetória narrada em Suçuarana. A estrutura narrativa do filme é bastante básica: Dora se desloca do ponto X qualquer no qual está em direção ao misterioso território do Vale de Suçuarana, o qual ela não sabe onde se localiza - essa simples premissa de uma andarilha em busca de uma terra especulativa é por si só muito possibilitadora. Em algum momento de seu deslocamento, é interceptada por alguém ou algum evento, que a desvia de sua trajetória em direção a rumos ainda mais imprevistos. Isso se repete, até o final do filme. Torna-o repetitivo? Penso que não, porque cada desvio revela uma faceta diferente de Dora e de sua jornada - desde uma relação casual mas carinhosa com outra andarilha, a fuga de um sequestro e o encontro com trabalhadores organizados. Todos de alguma forma permeados pela presença de um cachorro, carinhosamente apelidado por Dora de “Encrenca”. Ao mesmo tempo, diferentes cenas nessa estrutura são bastante honestas perante um discurso muito frontal sobre as dificuldades da classe trabalhadora e camponesa no interior, discurso que ganha contornos nuances com o avançar do filme.


As facetas, passado e materialidade de Dora a serem revelados pela estrutura simples do filme demonstram progressivamente que, na verdade, não é um filme sobre ela, sobre esta protagonista - e é neste momento que Suçuarana começa a ficar interessante. Em algum momento pós segundo ato, Dora se fixa num acampamento de trabalhadores que ocuparam uma fábrica abandonada. A partir de então, a relação dos diretores com a decupagem se transforma, e os planos extremamente fechados e a câmera vacilante dão lugar a composições espacialmente melhor construídas, que relacionam as figuras humanas no espaço ao seu redor. O caminho da decupagem de Campolina e Borges é de sair do particular pequeno-burguês (representado formalmente pelo close-up desfocado, que isola o sujeito da materialidade ao seu redor) para o coletivo demarcado no plano aberto.  No caso de Suçuarana, confirma-se a afirmação de Buñuel em seu manifesto, quando diz: “A história particular, o drama íntimo de um indivíduo, não pode interessar - acredito - a ninguém digno de viver em nosso tempo”.


O filme, então, engrandece a partir da decupagem aberta, fluida nos cortes e não nos movimentos truncados de câmera, que compreende melhor daí então a necessidade de apontar o olhar para o acampamento como força produtiva coletiva. Igualmente, narrativamente, os trabalhadores são a força motora do que se desenrola, tal como produzem na fábrica improdutiva e, portanto, a partir do momento que os meios de produção - as máquinas - são retiradas das fábricas, retiram-se os trabalhadores e, portanto, retira-se o filme da tela. É certo que nada disso faz com que as composições em geral dos planos deixem de ser um tanto sem sal, visualmente desinteressantes e sonoramente genéricas. Mas a relação que os diretores conseguem estabelecer com a história de Dora e do mundo ao seu redor a partir de um pensamento que evolui na decupagem e que é capaz de demonstrar como a força do trabalho coletivo não expropriado de seus meios de produção é motora da Natureza e produtora de liberdade (aos trabalhadores e/ou a Dora em sua busca infindável) faz valer a pena acompanhar essa road-trip.



Essa crítica faz parte da cobertura do 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro



 

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