O terror em Pacto da Viola é meramente instrumental, cuja única função é dar forma ao sobrenatural, perdendo, assim, todo o poder arrebatador que o gênero pode exercer.
Ao assistir o longa da noite, Pacto da Viola, imediatamente me lembrei de Vão das Almas, curta-metragem exibido na edição anterior do festival: ambos filiam-se ao cinema de terror partindo da cosmologia dos povos tradicionais e da cultura popular. Acontece que, enquanto o filme de Edileuza Penha e Santiago Dellape mantém uma relação frontal com o cinema de gênero, Pacto da Viola parece bastante acanhado, resultando em uma experiência enfraquecida diante do potencial que as lendas evocadas têm.
Durante a exibição, o público ria de toda menção ao diabo e seus vários nomes. É claro que existe uma tensão presente entre a cidade e o campo, entre modernidade e os saberes tradicionais, entre a racionalidade do agronegócio e a vida orgânica do sertanejo, que poderia sugerir esse tipo de reação do público, ao assistir aos elementos fantásticos oriundos da cultura popular situados em um ambiente rural que não mais acredita neles. Acho, no entanto, as risadas bastante significativas: onde o fascínio e o temor deveriam existir, há, na verdade, apenas artifício. O terror, em Pacto da Viola, é meramente instrumental, cuja única função é dar forma ao sobrenatural, perdendo, assim, todo o poder arrebatador que o gênero pode exercer.
Apesar do caráter fantástico estar presente, indicado até mesmo pelo título do filme, é o naturalismo que conduz a encenação. Penso, justamente, ser esse o problema. Não tenho qualquer problema com a encenação naturalista, mas esse tipo específico, presente em peso no cinema contemporâneo e chancelado pelo circuito de festivais, é, normalmente, desinteressante. O conflito e ambivalência sugeridos pelo roteiro, ao colocar em oposição forças antagônicas que atuam no Vale do Urucuia após o retorno de Alex, são diluídos e acabam simplificados por uma decupagem quase sempre ilustrativa. Não só a composição interna dos planos dá pouca margem ao conflito, como a montagem promove relações óbvias e diretas entre as imagens. Dos poucos momentos em que o filme assume a oposição enquanto força expressiva e dramática na representação, surge uma das únicas cenas verdadeiramente potentes: Joice, a amiga do protagonista, escuta música eletrônica e dança, como se estivesse em uma rave, enquanto aplica agrotóxico na plantação de soja. A câmera a acompanha com cumplicidade irônica, enquanto o som preenche a sala de cinema com a música que toca nos fones de ouvido da jovem. O plano consegue sintetizar e potencializar as contradições daquele ambiente, mas é uma pena que seja, talvez, um dos únicos do filme, um pequeno oásis em meio a um deserto de soluções medíocres e simplistas para a encenação.
É justamente por isso que o terror não vinga, quando evocado na segunda metade do filme. Esse naturalismo de ordem pragmática, avesso ao mistério, à ambiguidade e ao conflito, não permite que o fascínio diante do sobrenatural se instaure no espectador, minando a potência que o terror poderia ter. De certa forma, até parece desonesto com o folclore usado como fonte, reduzindo-o a uma artificialidade tola. Assim como os personagens do filme que, ao serem cooptados pela modernidade, passam a desacreditar das manifestações tradicionais e das crenças populares, Pacto da Viola parece seguir o mesmo caminho: na tentativa de representar a resistência das manifestações populares diante das transformações radicais no campo, acaba reafirmando o triunfo do agronegócio e sua lógica sobre a cosmologia do sertanejo.
Essa crítica faz parte da cobertura do 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
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