Crítica | Shock Corridor (1963), de Samuel Fuller
- Davi Pieri
- há 21 horas
- 2 min de leitura
Samuel Fuller, o primitivo modernista do cinema americano, realiza seu Filme-Demência
Se O Bandido da Luz Vermelha é tudo o que disse Sganzerla - "Meu filme é um far-west sobre o Terceiro Mundo. Isto é, fusão e mixagem de vários gêneros. Fiz um filme-soma; um far-west mas também musical, documentário, policial, comédia (ou chanchada?) e ficção científica. Do documentário, a sinceridade (Rossellini); do policial, a violência (Fuller); da comédia, o ritmo anárquico (Sennett, Keaton); do western, a simplificação brutal dos conflitos (Mann)"; Shock Corridor é, como um Bandido antes do Luz, um far-west prisional, um musical, documentário, noir, comédia; mas também um filme ensaio; entre o naturalismo e o surrealismo; uma sátira política brechtiana (as personagens de James Best, Hari Rhodes e Gene Evans deixam claro - os EUA são um sanatório colonizado por loucos; e os discursos sãos de Rhodes, como Trent, e Evans, como Dr. Boden, são a demonstração do didatismo brechtiano no que de melhor o cinema americano soube dele tirar).
Mas antes e primariamente o perigo que se coloca, desde a abertura de Shock Corridor é o do enlouquecimento de seu protagonista, tragédia já anunciada. Não restando dúvida de seu destino, acompanhamos seu método, os procedimentos que o levam da encenação, da ação exterior, para as ações interiores em direção ao mergulho completo na realidade imaginária e alucinatória da personagem criada pelo jornalista Johnny Barrett (Peter Breck). A questão que se coloca, então, sobretudo, é a que se fazia por toda a cena teatral e cinematográfica americana no período, perante toda a efervescência psicanalítica, de Freud a Jung, de Lewis a Brando: method or madness?
Mais ainda, o que Fuller faz é superar esta pergunta (que já nasceu ultrapassada) para caminhar, em seu modernismo rudimentar, em direção à performatividade do ator: a fantasia, condensada em Cathy, é tão somente a relação direta e espontânea da câmera de Fuller com Constance Towers - como o é a tragédia de Nana em Viver a vida, que não é mais que a relação entre Anna Karina e a câmera de Godard; ou, melhor: a sensualidade de Ângela Carne e Osso e a periculosidade de Sônia Silk, isto é, a relação entre Sganzerla e Helena Ignez em película (que chega ao ápice na personagem sem nome de Ignez, tão inseparável da atriz quanto todo o filme o é de Sganzerla, em Sem Essa Aranha). Fuller, enquanto filma Towers no palco, faz mise-en-scène moderna: "a mise-en-scène moderna não vive da beleza ou da qualidade dos atores (em representar, isto é, falsear e simular), mas simplesmente da presença do homem (diante da câmera) no mundo".
O psicologismo habita e enlouquece Johnny/Breck; a performance é o motor da fantasia (portanto, da loucura também) exalando do corpo sensualmente exposto de Cathy/Towers. O ator, a mente e o corpo, a câmera na mão e na altura dos olhos, olhando insistentemente, enfoca este teatro, este filme-ensaio ensaiando-se no sanatório; cinema moderno.
Nota do crítico:

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