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Foto do escritorJúlio Oliveira

Crítica | Furiosa - Uma Saga Mad Max (2024)

Indeciso e esquecível, Furiosa é um dos trabalhos mais decepcionantes de George Miller.



Nos últimos tempos, o mundo do cinema vem passando por um processo de transformação do olhar diante do uso do CGI e de outros efeitos visivelmente mais artificiais. Isso se vê refletido até na forma em que o marketing é pensado. Em Oppenheimer, Nolan negou haver tomadas com uso de CGI em seu filme, por exemplo. O mesmo autor explodiu um avião de verdade para uma breve cena em Tenet. Por isso, sempre chama a atenção quando um filme parece seguir na contra-mão. Um exemplo recente é o excelente RRR, produção de Bollywood que abraça o artificial como poucos e manipula a imagem de uma maneira única, criando uma nova realidade, ao invés de apenas reproduzir o que já existe.


Por esse motivo, eu me senti animado ao ver que Furiosa (dirigido por George Miller) aparentava abraçar uma artificialidade mais direta, sem se preocupar com qualquer forma de realismo na construção básica de sua experiência estética. Obviamente, vale dizer que o realismo não é um defeito por si só; o próprio Estrada da Fúria (também dirigido por Miller) trazia um desenvolvimento da ação fantástica que, ainda assim, apresentava um viés realista da imagem, seja na sua textura como no trabalho de profundidade, dando ao filme um aspecto tridimensional e um fácil processo de localização em meio ao espaço caótico dos eventos retratados.


Infelizmente, Furiosa não consegue escolher bem nenhuma dessas direções para seguir. Ainda que pareça acreditar na força dos símbolos acima das palavras - algo que vemos na própria encenação da protagonista interpretada pela Anya Taylor-Joy, que pouco fala), todo o desenvolvimento imagético e sonoro se dá de forma muito imatura, sem qualquer peso ou tempo para absorção de seu impacto. Há uma ansiedade em cada cena que até poderia conversar de forma frontal com o gênero de ação, mas que se dilui em uma narrativa indecisa, que aponta para um suposto aprofundamento de personagens e temas, mas que logo desvia o interesse para outras questões (que também não são aprofundadas). Isso pode ser percebido, por exemplo, já na cena de abertura. Há uma invasão, sequestro e, em seguida, uma perseguição. Entretanto, Miller se divide entre os cortes rápidos e bruscos no início para depois apelar para os planos gerais que ressaltam a beleza do mundo pós-apocalíptico (e de suas noites azuladas).


Essa dinâmica até poderia servir na construção de uma experiência de contraste, mas ela se repete tanto - a montagem, assim como a fotografia e a direção, segue essa indecisão - que não tarda para que os elementos da ação soem desimportantes, pois nem mesmo a sua presença no tempo é respeitada de alguma forma. Parece paradoxal, mas Furiosa surge em mim como um filme ansioso e, ao mesmo tempo, lento, perdido como alguém que corre para todos os lados, mas não chega a lugar algum.


Naturalmente, a representação da ação poderia ser a salvação de uma obra indecisa como essa, talvez reforçando o apelo de Miller pelos símbolos em detrimento do texto (o que, repito, seria ótimo). Porém, aqui também há indecisão: Miller mistura elementos reais com uma estilização genérica do CGI, algo que não se afasta muito do que é visto nos filmes mais comuns da Disney. Ainda que haja um frescor nos elementos práticos (os figurinos e designs dos carros são especialmente brilhantes), toda construção virtual parece incompleta. Se por um lado, não se busca um realismo (como aconteceu em Estrada da Fúria), também não se abraça o pleno artificial. O resultado é uma ação sem qualquer peso ou mesmo risco, pois até a violência é representada com ansiedade, velocidade e, como consequência, esquecimento.

Nessa compulsão por tudo ao mesmo tempo, até mesmo Chris Hemsworth sofre encenar de uma maneira que, ao mesmo tempo, flerta com o ridículo e com o ameaçador. Entretanto, a indecisão na mise en scène torna ele mais um elemento de pura indecisão e desinteresse dentro do longa. Talvez ele acabe sendo bem representativo em relação ao filme em sua totalidade: uma eterna promessa de algo que não se sustenta, que passa de maneira veloz e, ainda assim, causa grande fadiga.


A consequência disso tudo é, talvez, o pior pesadelo para um filme: tornar-se esquecível. Com exceção do plano em que a Furiosa precisa fazer um sacrifício importante, todo o filme parece qualquer coisa, como um amontoado de imagens que passam rápido demais para serem lembradas, ao mesmo tempo em que são incapazes de gerar qualquer tipo de emoção ou mesmo ansiedade (lembro-me aqui de Jóias Brutas, um filme indutor de ansiedade que é absolutamente brilhante). A própria protagonista se torna esse amontoado de caras e bocas que até são expressivas em algum nível, mas não parecem se conectar com o mundo desconjuntado apresentado por George Miller.


Há algo que se elogiar, claro: para além dos elementos práticos do design, esse não deixa de ser um filme com identidade própria. Mesmo em sua indecisão, Miller pinta o filme com suas cores e a própria narrativa ansiosa não deixa de fazer parte de um imaginário geral quando se pensa em Mad Max. No entanto, para mim, não vai além, tornando-se mais um filme esquecível entre tantos lançamentos por aí.


 

Nota do crítico:

 

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