A história social da infância no Império Brasileiro
- Danilo Cavalcante
- 10 de jan. de 2021
- 24 min de leitura
Dos grilhões estreitados às coroas reduzidas: Uma leitura das representações artísticas da infância como uma tradução das ideologias socioculturais da sociedade imperial.

“Que as coisas continuem como antes: eis a catástrofe. A infância é promessa de começo, testemunho do eterno retorno do novo e, portanto, de adiamento da catástrofe. Talvez seja por isto que todo poder conservador busque domesticar a infância: para manter um estado de coisas é preciso, injustamente, conter o indeterminado. Todavia, isto não é senão um modo grotesco de fracassar. Sejam quais forem as forças, a infância resiste: condição e promessa do vivo, ela afirma a persistência inegociável da mutação”
- Walter Benjamin: “Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação”
A infância corresponde ao período de tempo que vai desde o nascimento de um individuo até o inicio da sua puberdade, uma fase da vida extremamente essencial para a consolidação da personalidade, pensamento e ideias desse sujeito, elementos que são extremamente condicionadas pelas condições socioeconômicas as quais a criança é exposta ao longo de sua formação. Nesse contexto, a história da arte, enquanto estudo do conjunto de representações artísticas e culturais produzidas pela humanidade, contempla a partir de formas extremamente diversas e ricas esse período tão doce e fundamental da trajetória existencial, nos distintos contextos históricos, econômicos, sociais e culturais da humanidade.
Dentro desse contexto, quando a museologia e a curadoria artística se viram para essas representações da infância, diversos são os trabalhos encontrados e as histórias e discursos que eles nos narram: desde as meninas burguesas impressionistas de Renoir no óleo sobre tela “Rosa e Azul”, passando pelas crianças brasileiras pobres que estampam a fome em seu rosto pelas pinceladas de Tarsila do Amaral em “Segunda Classe”, até os enormes painéis feitos de açúcar pelo contemporâneo Vik Muniz, nos quais imagens de crianças que trabalham nas plantações de cana na África subsaariana levantam questionamentos acerca da desigualdade social no mundo atual.
Assim, as imagens e obras artísticas que reproduzem esse período são muito mais que meras ilustrações de um período da vida, são imagens que traduzem toda uma sociologia por trás das ilustrações dessas crianças, de forma que uma análise crítica e atenta dessas obras revelam macroestruturas sociais e dinâmicas do comportamento humano que merecem a atenção dos trabalhos de exposição.
A partir dessa contextualização, é lógico apontar porque é tão fundamental se voltar para trás e fazer um recorte curatorial do que foi produzido nesse sentido dentro do Império Brasileiro, período fundamental da historia do país, que engloba episódios fundamentais para entender o contexto e as dinâmicas sociais contemporâneas, tais como a entrada em massa de imigrantes europeus no território nacional, o advento das oligarquias do café como grupo político fundamental no cenário nacional, a abolição da escravidão depois de séculos de violência racial institucionalizada, etc. Assim, são extremamente ricas e plurais as representações da infância que o Império Brasileiro deixou para a eternidade, imagens que, quando analisadas a partir de recorte histórico curatorial crítico e cuidadoso, revelam importantes traços sociológicos e culturais de um período tão chave para se visualizar plenamente a história brasileira.
Dessa forma, com um tema aparentemente tão afetuoso e delicado quanto a infância, a exposição desenvolve uma operação de cunho fundamentalmente político, crítico e de revisionismo histórico questionador por meio da recontextualização dessas obras. Portanto, muito além do objetivo raso de apenas reunir diferentes imagens de crianças produzidas ao longo dos quase 70 anos desse momento da história do Brasil, a curadoria pretende levantar questões profundas fundamentais acerca de quais concepções de sociedade e quais ideologias, princípios e valores essas obras nos revelam acerca do pensamento sociocultural daquele momento.
Nesse trabalho, foram reunidas dez obras, acentuando o fato de que a seleção dessas buscou trazer a maior pluralidade possível tanto no formato artístico dos trabalhos (a curadoria inclui tanto os tradicionais quadros e esculturas como fotografias, painéis e gravuras) quanto nas representações ali estampadas, atentando-se para os mais diversos recortes de gênero, raça e classe que o momento histórico permite, de maneira que foram reunidas imagens de crianças ricas da corte, crianças escravas negras, crianças indígenas e até imagens do próprio Dom Pedro II antes de largar as fraudas e se tornar o maior monarca da história das Américas.
Nota do editor: Como o leitor pode reparar, a proposta do texto a seguir é desenhar uma exposição que reflete sobre o papel da infância no império brasileiro. Sendo assim, o texto funciona como uma proposta inicial e, para preservar sua essência, não foi alterado. Aproveitem!

Essa primeira escultura de A.D.Bressea, talhada em gesso policromado escuro, traz um menino negro de quase dois metros de altura que encontra-se ereto, em posição vitoriosa e jubilante, com o braço direito elevado, no qual pode-se ver uma placa em “Homenagem a Dom Pedro II”, celebrando a Lei de 1871, importante catalisador do processo que culminará no sancionamento da Lei Áurea em 1888, um ano antes do golpe militar que derrubaria a Monarquia, acabando com o Segundo Reinado e, consequentemente, com o Império Brasileiro. Na mão esquerda, o garoto, que veste trajes típicos de um escravo doméstico brasileiro, carrega um grilhão destruído, um símbolo da liberdade conquistada.

A Lei n° 2.040, conhecida como “Lei do Ventre Livre”, a qual a escultura em questão propõe alegorizar, é considerada um marco no processo de abolição da escravidão no Brasil, e está inserida no conjunto de medidas que buscavam atenuar a questão escravista no Império, como a Lei Euzébio de Queiroz (1850) e a Lei dos Sexagenários (1885). Assim, a Lei do Ventre Livre declarava livres os filhos de mulher escrava nascidos no Brasil a partir da data da aprovação da lei.
Esse instrumento significava, na prática, a abolição gradual da escravidão, pois a geração seguinte nascida no país seria completamente livre. No entanto, não amenizou as críticas dos abolicionistas, que demandavam nada menos que a extinção imediata e completa da escravidão. Além disso, a lei determinava que as crianças permanecessem em poder dos senhores das suas mães, que eram obrigados a criá-los até os oito anos de idade. Após isso, os senhores poderiam entregar o menor ao governo, com direito a uma indenização, ou utilizar seus serviços até os 21 anos.
Dentro da perspectiva descolonizadora que a presente exposição se propõe em abordar, é essencial colocar a escultura sob um ponto de vista crítico: mesmo que a lei em questão tenha sido sim fundamental para o processo que levou ao fim da escravidão no território nacional, ainda assim, não deixa de ser extremamente questionável e problemático o fato da obra trazer um escravo negro carregando uma “honra à Dom Pedro II”, um monarca declaradamente escravocrata que detinha diversos escravos domésticos e que retardou e estendeu ao máximo que pode o processo de abolição da escravatura no país. Dessa forma, a escultura, ainda que construída de forma a pautar a lei em questão sob uma perspectiva de comemoração da lei e de vitória dos abolicionistas, deve ser pensada dentro de um contexto histórico maior, lembrando-se sempre que o Brasil foi o último país americano a colocar um fim na escravidão negra.

Além disso, é necessário apontar que o artista em questão ainda foi pouco estudado e catalogado, de forma que pouquíssimo se conhece sobre sua vida e obra. Portanto, não se sabe muito sobre as circunstâncias de produção da escultura em questão, tão pouco sobre a teleologia da confecção desta (não se sabe, por exemplo, quem a encomendou, um elemento que auxiliaria na compreensão da proposta aqui questionada da construção de uma imagem antagônica de um escravo negro enaltecimento um imperador escravocrata).
A escultura dialoga completamente com as ideias que a curadoria pretende construir, uma vez que mostra um menino escravo celebrando uma legislação completamente voltada para uma macro de transformação socioeconômica da sociedade imperial, com um recorte que impactava diretamente a vida da infância desses jovens. Dessa maneira, a peça do Museu Histórico Nacional é um ótimo exemplo de como pode-se pautar as diversas e plurais histórias da infância dentro de uma perspectiva maior de compreensão das dinâmicas e ideologias socioculturais que permeavam a sociedade do Império Brasileiro.

O retrato em questão apresenta o imperador Dom Pedro II ainda criança, posando em uma posição de tranquilidade e serenidade, trajando roupas reais em um ambiente palaciano pomposo, ao lado de um tambor quase do seu tamanho pintado de cores nobres com o brasão do Império estampado nele. A composição da tela contém elementos típicos da pintura produzida no Brasil durante o Primeiro Reinado, tanto em termos de estética temática quanto em termos de construção formativa de pinceladas e composição cromática. Dessa forma, ainda que prevaleça o figurativismo realista na tela, não existe o apego extremo ao realismo das pinturas dos monarcas absolutistas franceses dos séculos anteriores, tão pouco um fundo completamente abstrato como o que viria a ser proposto pelos impressionistas algumas décadas depois.

O artista, Arnaud Julien Pallière (Bordeaux, França, 1784 - Bordeaux, 27 de novembro de 1862) foi um pintor, desenhista, gravador, urbanista e professor francês que veio radicar-se no Brasil em 1817, tendo chegado no mesmo navio em que viajava a Arquiduquesa de Áustria D. Maria Leopoldina, futura imperatriz do Brasil. Diz-se que gozou das boas graças do rei de Portugal D. João VI e de seu filho, D. Pedro de Alcântara, o futuro imperador D. Pedro I e futuro rei de Portugal como D. Pedro IV, e que por isso foi encarregado de uma série de quadros sobre o Rio.

Assim, depreende-se que a tela em questão foi produzida dentro de um contexto de produção endógena da corte para a própria corte, elemento que pode explicar boa parte da simbologia por trás da pintura.
O monarca dos trópicos, como chamado pela renomada curadora e historiadora Lila Schwarcz, ao longo de toda sua infância e adolescência, foi representado pela pintura palaciana sempre rodeado de objetos que remetiam à poder e conhecimento, através de toda uma construção simbólica que pretendia tanto afirmar a posição de Dom Pedro como um verdadeiro brasileiro, quanto passar a imagem de um jovem apto para ocupar o altíssimo cargo de Imperador do Brasil. Assim, foi desenvolvido desde cedo todo um projeto de representação artística meticulosamente planejado e executado. Por exemplo, ainda moço, as pinturas do jovem Pedro o retratam com a presença de uma precoce barba, justamente para passar a imagem de um homem sério, maduro e mais velho, numa tentativa de dar legitimidade política ao episodio do golpe da maioridade.

Na pintura em análise, o menino é apresentado ao lado de um tambor que, por conta de suas cores e brasão, podemos depreender enquanto uma alegoria do Império Brasileiro. Dessa forma, o jovem Pedro estaria, desde cedo e de dentro dos palácios, recebendo a educação necessária para literalmente reger e tocar o Império, com toda a responsabilidade que advém disso.
Nesse contexto, é essencial ressaltar a consciência do artista e da própria corte brasileira do poder da história da arte de penetrar no imaginário de quem a consome, se utilizando da produção da pintura como uma ferramenta de legitimidade política de uma autoridade soberana perante à classe abastada que teria acesso a esse quadro.

Dentro da curadoria em questão, a peça é um elemento central, uma vez que retrata justamente a criança que talvez foi mais representada no período de recorte em questão, o próprio imperador da nação. Assim, aponta-se o local privilegiado no qual o imperador cresceu, em detrimento dos ambientes moralmente e materialmente degradado nos quais outras crianças retratadas em obras da exposição viveram a mesma experiência.
Portanto, é fundamental comparar, por exemplo, como Dom Pedro II foi pintado com vestes abastadas, pomposas e de cores nobres, enquanto o menino escravo da primeira escultura já analisada veste apenas uma tanga maltrapilha, uma demonstração clara da capacidade reflexiva curatorial de analisar diferentes trabalhos que retratam meninos de idades muito próximas em um mesmo período histórico podem revelar o abismo social que assombrava as diferentes camadas da sociedade brasileira da época.

A tela em questão mostra o Dr. Menezes, um famoso médico diretor do Instituo Brasileiro de Línguas, sentado em um jardim decorado por móveis burgueses, ensinando à duas crianças surdas-mudas, uma negra e uma branca, que trajam roupas de elite, seu método oral de linguagem não falada. A tela, ainda que datada como muito próxima do período das vanguardas, do impressionismo e do realismo, tem uma estética essencialmente acadêmicista, um reflexo da formação educacional do artista. Dessa forma, ainda que exista o elemento da iluminação exterior, não existe o conhecido jogo de luz e sombra impressionista, tão pouco traços abstracionistas ou marcas de pincelada, de maneira que a tela segue estritamente os princípios figurativos e estéticos do academicismo europeu de produção de óleos sobre tela.

O artista, Oscar Pereira da Silva (São Fidélis, Rio de Janeiro, 1867 - São Paulo, São Paulo, 1939), foi um pintor, decorador, desenhista e professor. Foi aluno dos grandes Victor Meirelles e José Maria de Medeiros na AIBA, na qual seu destaque fez com que conquistasse o último prêmio de viagem ao exterior concedido pelo imperador Dom Pedro II, transferindose para Paris em 1889.
Dentro de sua obra destacam-se pinturas históricas, retratos, temas religiosos, cenas de gênero, naturezas-mortas e paisagens. Em Paris, realiza seu aprimoramento artístico nos ateliês de pintores conservadores, não se interessando pelas correntes realistas e muito menos pelas impressionistas, de forma que, grande parte pela formação acadêmica que recebe, não se deixa influenciar pela pintura moderna, preferindo continuar numa linha tradicional, que trabalha com grande qualidade técnica. Assim, em 1922, enquanto Oswald e Tarsila pautavam o verso livre e a pintura antropofágica no Teatro Municipal de São Paulo, Oscar pintou uma tela histórica extremamente acadêmica e romântica da chegada de Cabral em Porto Seguro para a República oligárquica.

O Dr. Menezes Vieira, retratado na tela em questão, que trabalhou e dirigiu o Instituto especializado em surdos-mudos, defendeu o método de ensino do Oralismo puro em detrimento da Linguagem de Sinais, justificando que usando-se deste método, nas relações sociais, o indivíduo surdo usaria a linguagem oral e não a escrita, sendo esta secundária para ele. Além disso, ele tinha como convicção ser um desperdício alfabetizar surdos num país de analfabetos. Para ele, “a fala seria o único meio de restituir o surdo-mudo na sociedade”
É valido destacar que, no Brasil, a educação dos surdos teve inicio durante o Segundo Império, com a chegada do educador francês Hernest Huet, ex-aluno surdo do Instituto de Paris, que trouxe o alfabeto manual francês e a Língua Francesa de Sinais. Deu-se origem à Língua Brasileira de Sinais, com grande influência da Língua Francesa.
Assim, Huet apresentou documentos importantes para educar os surdos, mas ainda não havia escolas especiais. Solicitou, então, ao Imperador Dom Pedro II, um prédio para fundar, em setembro de 1857, o Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos – INES. Dom Pedro II tinha grande interesse na educação dos surdos, pois tinha um neto surdo, filho da princesa Isabel, que era casada com o conde D`Eu, parcialmente surdo. Após a chegada de Menezes, o método oral passou a ser predominante.

A tela em questão levanta diversos pontos relevantes para o recorte da exposição: o fato de Oscar retratar um menino negro em uma situação típica de elite (algo raro no conjunto da sua obra), três anos antes da abolição da escravatura, um verdadeiro ponto fora da curva nas artes plásticas imperiais, aponta para a realidade da existência muitas vezes sub retratada de crianças negras de elite, provavelmente filhas de estupros de senhores escravocratas com escravas negras. Além disso, a questão da temática da educação para deficientes também revela nuanças do processo de aumento de complexidade dos serviços oferecidos na nação que crescia desordenadamente nas bordas de um feroz capitalismo global, indicando assim, os lentos passos em direção a um futuro mais inclusivo e como esse acesso ainda era restrito a uma elite muito específica.
Dessa forma, essa história da infância mais uma vez nos faz refletir sobre as enormes desigualdades no Brasil Imperial: enquanto mais da metade da população mal sabia escrever o próprio nome, um recorte muito seleto de pessoas detinha acesso até à uma educação diferenciada voltada para determinadas necessidades especificas.

A tela em questão traz dois meninos negros, em trajes casuais de cor branca, encostados no que aparenta ser uma casa simples (talvez uma senzala). Percebe-se uma forte presença da influência impressionista (muito presente na formação do artista) nos contrapontos de luz e sombra que participam da construção da tela, de forma que uma fonte natural externa de claridade traz para a cena uma paleta de mesmice, melancolia e monotonia, típicas das representações de cotidiano produzidas por Zamor.

O artista, Emmanoel Zamor, nasceu na Bahia, onde foi adotado por um casal de franceses que o levou para a Europa, onde teve uma educação voltada para a formação artística na Academia Julian de Paris, onde tomou contato com as obras de impressionistas como Cézanne, Renoir, Degas, Pissaro e Monet, os quais marcaram profundamente o seu estilo. Retornou a Salvador tempos depois, onde boa parte de sua produção foi destruída por um incêndio em sua residência.
Por conta deste incêndio, a crítica de arte o ignorou por muitos anos, de maneira que sua obra passou a ser analisada com mais cautela no final do século XX, no qual uma cultura de mapear, catalogar e estudar artistas negros e mulatos da história do Brasil ganhou força. Esse mesmo movimento culminaria na fundação do Museu Afro Brasil no Parque Ibirapuera no início dos anos 2000, instituição na qual está catalogado e preservado quase todo o acervo remanescente de Zamor, inclusive o quadro em questão. Além disso, é essencial destacar que as telas do baiano destacam-se pela representação de cenas cotidianas e efêmeras urbanas com destaque para a representação de personagens negras, algo que torna o estudo dessas telas ainda mais interessante, dado que são mais escassas as fontes de estudo dessa parcela da população.

O quadro é um reflexo do fato que, ao longo do século XIX, muitas foram as modificações na estrutura, composição e dinâmica da sociedade brasileira, algo que, na produção artística, gerou um interesse crescentes pelo registro de variados aspectos da vida social, como o movimento das ruas, o interior das casas e o cotidiano dos escravizados. Dessa forma, a obra do baiano é profundamente marcada tanto esteticamente pelas correntes impressionistas do final do século quanto por esse entendimento que registrar cenas simples do cotidianos pode gerar grandes reflexões acerca de estruturas socioeconômicas (preocupação essa que, quando mais ligada à ilustrações de classes mais baixas, desencadearia o Realismo brasileiro protagonizado por Almeida Júnior).
Portanto, insere-se no contexto da exposição ao revelar, a partir da composição extremamente simples da representação de duas crianças negras em seus típicos trajes cotidianos no local modesto no qual habitavam, as transformações maiores trazidas pelo longo século XIX, desde a estética impressionista e a proposta do jogo de luz e sombra (uma consequência direta do advento da fotografia) até a temática do cotidiano das classes mais baixas, algo que, quanto mais próximo do fim do século, passou a ser de maior interesse dos artistas, justamente por conta dessa mudança de mentalidade escravocrata cada vez mais questionada por diversos setores da sociedade.
Cabe ainda ressaltar que é de extrema importância pensar que a exposição traz um artista negro, o qual vem ganhado destaque na crítica de arte no ultimo decênio, que pintava personagens negras, uma proposta que se inclui na ideia da curadoria de pautar uma arte descolonizadora e que busque democratizar o conhecimento a partir de questionamentos da historiografia clássica.

“Um Jantar Brasileiro” é sem dúvida uma das obras mais famosas de Debret, certamente o artista Imperial mais reproduzido pelos livros didáticos de História do Brasil. A imagem mostra um casal de posses, sentado à cabeceira da mesa, jantando, com uma toalha de linho branco guarnecida com rendas que cobre uma mesa sobre a qual há cristais, porcelana, vinho, frutas e carne. Uma escrava espanta as moscas e dois escravos estão de prontidão para atender seus senhores (de um deles se vê apenas a sombra junto à porta), enquanto a senhora se entretém alimentando duas crianças negras, como se fossem animais domésticos.

Jean-Baptiste Debret foi um pintor, desenhista e professor francês. Integrou a Missão Artística Francesa, que fundou, no Rio de Janeiro, uma academia de Artes e Ofícios, mais tarde Academia Imperial de Belas Artes, onde lecionou. Publicou o famoso Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839), documentando aspectos da natureza, do homem e da sociedade brasileira no início do século XIX. Exímio artista, demonstrou em suas telas não somente o cotidiano do Brasil da época que englobava tanto a aristocracia, da população em geral e a vida dos escravos, de forma que é um artista fundamental para se compreender as dinâmicas socioeconômicas do Primeiro Reinado.
A tela em questão permite pensar uma análise crítica acerca das disparidades existentes na sociedade brasileira daquele período, na qual o escravismo era o pilar fundamental de sustentação econômica e social. Dessa forma, a farta mesa devorada pelo casal é um ponto estratégico para se refletir os abismos sociais existentes na época e as dificuldades enfrentadas pelos escravizados, inclusive pelas duas crianças representadas na parte inferior da tela, que ainda não atingiram a idade de serem utilizadas nos serviços mais pesados, ou seja, na labuta e na crueldade do dia a dia do escravismo colonial brasileiro.

Acerca destas crianças, o próprio Debret descreve que: “é costume, durante o tête-à-tête (conversa a parte entre duas pessoas) de um jantar conjugal, que o marido se ocupe silenciosamente com seus negócios e a mulher se distraia com os negrinhos que substituem os doguezinhos (cachorros), hoje quase completamente desaparecidos na Europa.”
Dessa forma, assim como os cães que ficam ao pé da mesa durante o almoço ou jantar, na espreita de conseguir algo, as crianças cativas recebiam das mãos de sua senhora suplicavam manjares e doces. Assim, as pobres crianças, desde cedo submetidas a um severo regime de desigualdades, em breve cairão na laboriosa luta diária de um escravo adulto, e passarão a se alimentar a partir de uma farinha umedecida acompanhada de um suco produzido a partir de poucas laranjas ou bananas.
Isso posto, não incluir essa obra na exposição em questão seria um grande crime curatorial. A partir da imagem icônica de Debret, um dos principais artistas que passou pelo Brasil no século XIX, e todo o legado construído pelo seu riquíssimo acervo de obras para a compreensão das dinâmicas do período pré e pós independência, podem ser levantadas diversas questões fundamentais desde sobre o cotidiano dos escravos e a forma como eram tratados e até uma reflexão dos hábitos alimentares da corte. Assim, pauta-se como todas essas reflexões são sempre pensadas e relembradas principalmente a partir da famosa ilustração das duas crianças escravizadas reduzidas à meros animais domésticos, imagem que até hoje choca e entristece aqueles que a observam, uma memoria dolorosa, porém necessária, dos anos de escravidão no país.

Nessa segunda imagem de Debret, apresentam-se mulheres e crianças indígenas sendo escoltadas por soldados em meio a um ambiente de selva tropical. Os indígenas estão despidos, acorrentados e entristecidos, enquanto os soldados estão descalços, vestindo trajes militares não oficiais e carregando enormes espingardas. Assim, a composição da cena é típica das gravuras produzidas por Debret no início do Período Regencial, retratando questões sociais complexas em ambientes caricatos, tais como a floresta exuberante.

Interessantíssimo apontar o fato de que, aos homens, Debret dá o nome de índios, às mulheres e crianças, de selvagens. A escravidão e matança de índios no sul do Brasil no século XIX foram intensas, principalmente após a chegada dos imigrantes europeus. Registros indicam a existência de homens conhecidos por “bugreiros” (termo utilizados por serem estes caçadores de indígenas, que era chamados de “bugres”), descritos como caboclos, conhecedores do mato e que serviam como assassinos de aluguel em troca de dinheiro. Assim, a gravura insere-se em todo um contexto maior de construção de identidade visual do indígena dentro da sociedade brasileira.
Ainda sobre Debret, cuja história já foi abordada no última trabalho, é importante pensar que, ainda que tenha sido um artista trazido ao país para enaltecer os colonizadores, acaba por cumprir uma função bem mais nobre: denuncia a humilhação, a penúria e a agressão sofrida por determinadas classes sociais. Ele fez, sem dúvida, o trabalho que lhe encomendaram de retratar o Brasil, mas o realizou como hoje se fotografa a Amazônia, por exemplo, para apontar a sua devastação. Seu livro que já nasceu clássico, “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, é um documento de época, no qual ao lado da perfeição estética, há a motivação social.

A gravura em questão é um dos poucos registros de crianças indígenas que se tem do período, muito provavelmente uma consequência do fato da questão da escravidão negra estar bem mais em alta. Vale lembrar que, principalmente depois que o Marquês de Pombal extinguiu a escravidão indígena no território nacional, a perseguição a esses povos foi institucionalmente vetada, ainda que na prática se saiba que essa não foi exatamente a realidade. Portanto, a obra entra na curadoria como uma forma de persistir na memória desses povos tão duramente perseguidos durante toda a história do Brasil, e que até hoje lutam pela consolidação de seus direitos básicos, como a demarcação de suas terras e a proteção aos seus costumes e culturas.

A imagem mostra quatro meninas, as netas do rico Visconde do Rio Preto, em o que aparenta ser um bosque (provavelmente o jardim de um dos vastos casarões que acompanhavam as plantações de café do avô), vestidas de roupas pigmentadas com cores nobres. Espalhadas pela tela, existem brinquedos como um carrossel e um bambolê, assim como um conjunto de frutas no colo da menina que supõem-se que seja a mais velha. Por fim, uma das meninas segura a bandeira do Império Brasileiro, signo que coroa a simbologia final do quadro, a representação da elite cafeeira como verdadeira detentora das estruturas de poder imperiais.

O artista, Karl Ernest Papf, foi um fotógrafo, pintor e desenhista saxão que se transferiu para o Brasil em 1867. Papf foi destaque no gênero de fotopintura, retratos a óleo baseados em fotos, e produziu, ao longo de sua vida, encomendas para a família imperial e a nobreza brasileira (como as meninas retratadas na tela em questão), consolidando sua reputação como retratista no Brasil. Esse tipo de trabalho era uma alternativa mais econômica aos retratos em pinturas no século XIX, uma vez que, o retrato fotográfico, retocado e colorido à mão, era bastante procurado pela pequena burguesia comerciante. Na época, esse tipo de arte foi utilizado para perpetuar a imagem dessa parcela da população.
Existe toda uma simbologia que Pafp constrói através da composição do quadro, nas quais as netas do famoso Visconde do Rio Preto, um título de nobreza que Dom Pedro II concedeu ao rico fazendeiro e politico do café Domingos Custódio Guimarães, o qual detinha enormes lotes de plantações da commodity mais lucrativa para o Império no Vale do Rio Preto, ou seja, o futuro da oligarquia mais rica e poderosa do país, carregam a bandeira do Império em meio a uma fazenda privada de plantação de café.

Dessa forma, todos os elementos na obra exalam poder aristocrático burguês: as meninas, vestidas dos mais nobres tecidos tingidos com as mais nobríssimas cores, posam em meio à uma vasta plantação do produto que controla praticamente todas as dinâmicas politico econômicas da nação, de maneira que até carregam a bandeira do Império consigo: elas estão inseridas no topo da pirâmide social dessa sociedade, dentro do contexto de maior influência econômica nacional.
Isso posto, a pintura encaixa-se no contexto da curadoria como uma representação dessa consciência de classe por parte da elite cafeeira de seu poder sobre os pilares do Império, algo que refletia, inclusive, na forma como representavam suas crianças, as futuras donas dos impérios: tanto das vastas plantações da semente estimulante, quanto da estrutura política da monarquia brasileira. Aqui, cabe refletir as diferentes perspectivas de futuro que cada criança representada nessa exposição teve ao longo de sua vida: enquanto os escravos reduzidos a animais domésticos pintados por Debret estavam invariavelmente condenados ao trabalho forçado perpetuo, as netas do Barão lindamente desenhadas por Paft já tinham desde os cinco anos todo o Império reservado nas suas pequenas e delicadas mãos.

Seria extremamente errado construir uma curadoria em cima da temática da infância sem abordar a esfera da maternidade, e dentro da proposta temática de encarar o Império brasileiro a partir de uma reflexão crítica, seria mais errado ainda não trazer as histórias das amas de leite, figuras que alimentavam os futuros senhores da sociedade escravocrata do Atlântico e mesmo assim foram profundamente apagadas da História. Dessa forma, é necessário questionar tanto as relações domésticas por trás das fotografias, quanto as lógicas de domação cordial perversa que revelam.

Na sociedade brasileira urbana do século XIX, todas as famílias brancas de posse faziam questão de comprar ou alugar mulheres escravas para amamentar as crianças pequenas, livrando as mães biológicas dessa “pesada responsabilidade” (ainda que os médicos da época persistissem que o leite dessas mulheres poderia transmitir a “índole selvagem negra” para as crianças, um reflexo do pensamento racista que circulava no meio letrado brasileiro). Porém, apesar das críticas, as famílias brancas escravocratas mantiveram suas amas até a promulgação da Lei Áurea em 1888.
Nesse contexto, surgem as fotografias das amas de leite ricamente ataviadas (afinal, a elegância da ama refletia a riqueza de seus senhor) junto à criança dos patrões. Assim, esses registros teimavam em idealizar a relação dessa jovem mãe negra com o seu “filho branco”, como prova do caráter sentimental, íntimo e adocicado da escravidão brasileira, ainda que essa idealização esconda uma realidade sombria e violenta por trás.
Além disso, é fundamental apontar o pressuposto que: para amamentar, essa jovem escrava, primeiramente, teve que dar luz ao seu próprio filho, o qual está ausente de representação, de forma que essas imagens também ocultam onde estaria a criança biológica dessa mulher e a história dela. Essa pergunta tão incomoda acerca dessas crianças e quase irrespondível pela escassez de documentos e relatos diretos sobre o destino dos filhos biológicos das amas de leite escravas, e pensar questões maiores, como o fato de que essa cena sentimental da ama com a criança branca nos braços elide todo um caótico e tenso universo de relações sociais que se desenvolveram na intimidade das casas, nas quais as possibilidades de sobrevivência dessas crianças era jogada. Assim, a prole da ama de leite, por sua presença ou ausência, surgia como constante ponto de tensão ou afirmação dessa atmosfera patriarcal, escravocrata e violenta.

Ademais, em contraste com a profusão de imagens que temos de amas de leite com uma criança branca no colo no período da escravidão, fotografias de mulheres negras com seus filhos são muito raras, pois nas concepções da escravidão, as mulheres escravas podiam ser reprodutoras, mas seus direitos de mãe não eram respeitados, nem ao menos considerados como naturais e semelhantes aos das mães brancas. Assim, a partir das imagens das amas, percebe-se a dualidade cruel da escravidão e as condições horríveis nas quais se desenvolveu.
Portanto, tais questões a respeito das amas e mães escravas nos levam a refletir sobre a infância na escravidão e a considerar não apenas aqueles que gozaram do seio de uma mãe preta, mas também daquelas que sofreram a ausência de cuidados maternos por cinta de uma superestrutura escravocrata. Dessa maneira, deve-se ressaltar o papel da história da arte de fomentar um esforço a narrar essas histórias violentas muitas vezes ocultadas e não contadas, para compreender que maternidade e infâncias são dois lados de uma mesma moeda, mas que nem sempre andaram de mãos dadas.

A famosa tela histórica retrata o momento exato do dia 18 de julho de 1841, quando Dom Pedro II, então com apenas 15 anos, foi coroado Imperador do Brasil, dando início ao Segundo Reinado. Assim, a tela demonstra toda a simbologia e cerimonialismo do ato que, ainda que propusesse ser algo tropical, estava completamente enviesado pela estética ritualística de cerimônias europeias de coroação (como a da Rainha Vitoria no Reino Unido, que ocorreu poucos anos antes da de Pedro).

Assim, os elementos do quadro permitem pensar diversas questões acerca da sociedade de corte da época: a presença maciça de cardeais e a própria pose de Pedro traduzem o vínculo sagrado entre Igreja e Estado muito presente na monarquia dos Bragança, a vista dos diversos homens políticos que assistem a coroação de perto demonstram o interesse em acompanhar a concretização do Golpe da Maioridade (que possibilitou o momento) e a falta do povo no momento tão importante para a História do país, um reflexo do fato das camadas populares estarem ausentes das grandes decisões politicas do Império, controlado por uma pequena camada oligárquica movida por manutenção dos próprios interesses.
O artista, François-René Moreau, foi um pintor, fotógrafo e professor francês radicado no Brasil. Dedicou-se especialmente ao retrato, mas cultivou também a pintura histórica. Pelo quadro em questão, recebeu o hábito da Ordem de Cristo. Expôs nos salões da Academia até 1850, voltando a aparecer em 1859. Deixou retratos de diversas personalidades da época.

O evento ocorreu na Capela Imperial do Rio de Janeiro, no qual a cerimônia durou o dia inteiro, com os rituais de sagração carregados de pompa e ostentação inspirados no Antigo Regime e a presença majoritária da corte, ornamentada com os mais ricos trajes vistos num país tropical. Essencial voltar atenção para as trajes de D. Pedro II, que estava devidamente vestido para se tornar imperador: um monarca tropical, diferente de seus pares europeus, mas ainda assim um imperador da melhor tradição europeia.
Assim, a cerimônia de coroação foi pensada para destacar o poder de um império que, ainda jovem como seu regente, precisava dar sinais de consolidação. Os símbolos importavam - expressando-se nos cuidados com a festa, as roupas, a apresentação.
Ademais, cabe destacar que toda essa simbologia de ostentação de poder e prestigio vem também de uma necessidade da monarquia de reafirmar o novo regente como legítimo depois da declaração da maioridade, um ato de desespero do partido do liberal que subiu um adolescente como comandante do maior Império das Américas na época. O golpe em questão, que deu fim ao período regencial brasileiro, foi impulsionado pelos membros do partido liberal, que agitaram o povo, que pressionou o Senado para declarar o jovem Pedro II maior de idade antes de completar 15 anos.

Esse ato teve como principal objetivo a transferência de poder para Dom Pedro II para que esse, embora inexperiente, pudesse pôr fim a disputas políticas que abalavam o Brasil mediante sua autoridade. Acreditavam que com a figura do imperador deteriam as revoltas que estavam ocorrendo como a Guerra dos Farrapos, a Sabinada, a Cabanagem, a Revolta dos Malês e a Balaiada. Para auxiliar o novo imperador do país, foi instaurado o Ministério da Maioridade, mais uma instituição com o objetivo de mitigar os problemas decorrentes de se ter um jovem que, ainda que educado para isso, era extremamente inexperiente para ocupar o cargo que lhe foi concedido.
O quadro levanta a questão já abordada do papel que a história da arte teve, ao longo de toda a vida de Pedro, de o moldar para ser aquilo que nasceu para ser. Desde roupas extravagantes com medalhões e brasões até retratos rodeados de símbolos de saber, poder e riqueza, a imagem do jovem imperador sempre foi construída com finalidades muito especificas, e não foi diferente com a sua coroação antecipada: ato que pôs um fim à sua infância tão conturbada e privada de liberdade e que deu início a um dos períodos mais memoráveis e fundamentais da história do Brasil.

A última tela da exposição, ainda que tenha sido produzida posteriormente ao período do Império, trata diretamente do fim desse ciclo a partir de uma construção simbólica típica do Romantismo do início da República Brasileira, e se utiliza justamente da ilustração da infância para construir a ideologia que deseja.

Esta romântica pintura de Pedro Bruno é denominada “A Pátria” e retrata a confecção da primeira Bandeira Republicana do Brasil. Assim, a cena acontece no interior de uma residência, no final do Século XIX, em tempos pré-industriais, e as mulheres, portas adentro, bordam e costuram o nosso maior símbolo pátrio; uma delas amamenta um bebê (representação da República que nasce), em contrapartida ao casal de velhos ao fundo, que representa a já derrotada monarquia.
Na parede, ao fundo, meio a demais detalhes, está o retrato de Deodoro; Tiradentes está representado num quadro afixado na parede com o seu derradeiro momento (de camisolão e com a forca ao lado); sobre a mesa a imagem da Imaculada Conceição e crianças, enquanto alegoria de um novo começo e de refrescor, estão no meio do ateliê. Com a cabeça num travesseiro, um menino brinca com a estrela; outra menina, ternamente agarra-se à bandeira em construção e, discretamente, no canto esquerdo, há um homem idoso, quase que imperceptível na sombra, representando o passado monárquico a ser esquecido.

Dessa forma, a tela é carregada de muitos simbolismos e retrata de forma alegórica a "construção positivista da República" a partir da família e a exploração da esperança de novas gerações (simbolizada nas crianças) num país do futuro. O desenho da bandeira republicana brasileira foi criado conjuntamente por dois positivistas e um astrônomo, o desenho do disco azul foi executado pelo pintor Décio Vilares e, por indicação de Benjamin Constant, acrescentou-se em meio às estrelas a constelação do Cruzeiro do Sul.
As estrelas refletem o céu da cidade do Rio de Janeiro tendo por base a data de 15 de novembro de 1889 e representam as unidades federativas (cada estrela representa um estado específico, além do Distrito Federal). Assim, definidas a dimensão e forma, a bandeira foi oficialmente adotada pelo decreto n.° 4, de 19 de novembro de 1889, e permanece intacta em sua concepção original, apenas com o acréscimo necessário de algumas estrelas, no círculo azul, que são representativas dos novos Estados que foram criados posteriormente.
POR FIM...
De muitas formas diferentes, pode-se pensar a tela de Bueno como um síntese da ideia principal da curadoria, que propõe compreender como imagens da infância e de crianças dentro das artes plásticas brasileira do século XIX traduzem ricamente diversas ideologias socioculturais massivamente presentes na mentalidade daquele momento. A jovem menina que representa a pátria nascente é o tal símbolo de renovação e recomeço que Benjamin cita no trecho empregado como epígrafe do texto crítico da exposição, quando afirma que :“a infância é promessa de começo, testemunho do eterno retorno do novo.”
Assim, esse “eterno retorno do novo”, como perfeitamente sintetizado pelo historiador da cultura alemão, foi aqui demonstrado na mais diversa gama de representações: desde crianças escravas esfomeadas, passando-se pelas ricas netas do Visconde do Rio Preto e o pequeno Imperador Dom Pedro até se chegar na jovem república. Assim, percebe-se como as representações da infância são as representações do mundo e das ideologias históricas de gênero, raça e classe de determinado momento
Nesse contexto é valido também destacar: quem, se não a curadoria e a história da arte, a partir de recortes temáticos críticos e historicamente responsáveis, poderão pautar a tal “persistência inegociável da mutação” que Benjamin retrata? É responsabilidade social museológica deixar um pouco de lado os feitos da Batalha do Avaí e narrar histórias como a dos filhos esfomeados das amas de leite e dos indígenas escoltados de Debret, assim como tantas outras aqui expostas, as tais das histórias que a história não conta.